Entrevista com Laura Ancona Lee, Vice-Reitora de Relações Internacionais da Universidade Paulista

Laura Ancona Lee é uma professora e gestora acadêmica brasileira com forte atuação em internacionalização do ensino superior e no estudo do uso da Inteligência Artificial na educação. Vice-Reitora de Relações Internacionais da Universidade Paulista, destaca-se pela trajetória multidisciplinar que integra artes, ciências sociais, tecnologia e gestão acadêmica, atuando de forma inovadora na conexão entre diferentes áreas do conhecimento. Lidera o Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Internacionalização Acadêmica e coordena programas e parcerias globais, cooperações multilaterais e ações com diversas universidades no exterior, promovendo iniciativas que articulam desenvolvimento institucional, impacto social e colaboração internacional.

1. De acordo com a sua experiência, como a internacionalização do ensino superior ocorre no Brasil e quais são seus principais objetivos?

A internacionalização do ensino superior é compreendida como um processo estratégico, multidimensional e orientado para valores que integram perspectivas, práticas e cooperações internacionais ao ensino, à pesquisa, à inovação e à extensão, reconhecendo a interdependência dessas dimensões na missão universitária. A internacionalização não é um objetivo isolado, mas um meio de qualificar as funções essenciais das universidades, alinhando-as a princípios éticos, de responsabilidade social e de equidade. Seu propósito principal é potencializar a formação acadêmica, qualificar a produção científica, ampliar o impacto social e promover a cidadania global, assegurando que o conhecimento produzido dentro da universidade contribua de forma mais efetiva para o enfrentamento dos desafios contemporâneos — do nível local ao internacional.

A internacionalização transforma currículos, amplia repertórios culturais, fortalece habilidades linguísticas e desenvolve competências globais essenciais à formação profissional e cidadã. Na pesquisa, assume papel estruturante para a produção e circulação internacional do conhecimento, promove redes científicas, coautorias, desenvolvimento tecnológico e eleva a visibilidade e o impacto global das instituições. Na inovação, expande ambientes e ecossistemas colaborativos, intensifica a transferência de tecnologia e contribui para a competitividade nacional em setores estratégicos. Na extensão, internacionalizar significa aproximar territórios e comunidades, promovendo trocas interculturais que fortalecem o desenvolvimento local e ampliam o alcance social das ações universitárias.

2. Como é a internacionalização acadêmica de alunos que pertencem a extratos menos favorecidos economicamente no Brasil? 

A internacionalização tem sido uma oportunidade real de ascensão acadêmica para estudantes de média e baixa renda no Brasil, especialmente na pós-graduação. Bolsas nacionais, como as da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, permitem dedicação exclusiva ao mestrado, doutorado e à pesquisa, viabilizando a participação em redes científicas internacionais. Além disso, programas de mobilidade com auxílio financeiro, como, por exemplo, o Erasmus+ e a Fulbright, ampliam o acesso a experiências no exterior ao oferecer ajuda de custo para despesas de viagem, moradia e alimentação.

É importante destacar que a internacionalização dos estudantes não depende de uma rede de apoio institucional que envolve professores, orientadores, pesquisadores, gestores e equipes administrativas especializadas. São esses profissionais que viabilizam convênios, organizam a documentação, orientam processos de candidatura e asseguram a representação da instituição no exterior.

Apesar dos avanços, o alcance dessas oportunidades ainda depende da estrutura de cada instituição, da comunicação interna e do suporte disponível aos estudantes. Por isso, fortalecer políticas de apoio e acompanhamento é fundamental para garantir que a internacionalização seja um instrumento de inclusão e não um fator de ampliação das desigualdades. 

3. Há como melhorar a situação desses alunos em relação à internacionalização acadêmica? Como?

Melhorar o acesso de estudantes de média e baixa renda à internacionalização acadêmica exige mudança de cultura institucional e fortalecimento do apoio estruturado nas universidades brasileiras. É essencial que professores, orientadores e coordenadores compreendam que internacionalizar não se resume a apresentar trabalhos em congressos no exterior. Internacionalizar é promover a inserção contínua dos estudantes em redes globais de conhecimento — por meio de projetos de pesquisa internacionais, coautorias, disciplinas em parceria com instituições estrangeiras, orientação conjunta (cotutelas), atividades remotas e programas de capacitação linguística, além da participação em iniciativas como Erasmus+, DAAD e outras.

Ao mesmo tempo, as Instituições de Ensino Superior precisam ter profissionais qualificados em Internacionalização Acadêmica, capazes de representar as IES no exterior, apoiar candidaturas a bolsas, orientar o corpo discente, discente e administrativo. Políticas institucionais de incentivo, bolsas internas, capacitação docente e garantia de continuidade nas ações de internacionalização são igualmente fundamentais.

Quando a internacionalização é entendida como estratégia coletiva — envolvendo estudantes, docentes, gestores e equipes administrativas — ela se torna mais inclusiva e capaz de beneficiar aqueles que historicamente tiveram menos acesso às oportunidades globais.

4. De que forma a internacionalização do ensino superior contribui para o desenvolvimento do Brasil?

A internacionalização orientada para o desenvolvimento nacional fortalece os setores estratégicos, a inovação científica e tecnológica, a competitividade e a inclusão social. Parcerias internacionais, produção de conhecimento e formação de competências globais resultam em benefícios concretos à sociedade brasileira, reduzindo desigualdades regionais, ampliando o impacto das universidades no país e da pesquisa em nível global.

5. Qual é a situação da avaliação da internacionalização universitária no Brasil?

Embora, nos últimos anos, as agências de avaliação tenham incorporado a internacionalização como critério oficial na análise dos programas de pós-graduação, o país ainda se encontra em estágio inicial na construção de uma cultura institucional ampla de internacionalização. Há muito a avançar para que a internacionalização seja efetivamente reconhecida como dimensão estruturante da qualidade acadêmica e da inserção global das universidades brasileiras.

Faz se necessária uma organização estruturada de modo a garantir efetividade e continuidade aos processos desenvolvidos pelas instituições de ensino superior, com a criação de uma política nacional de fortalecimento da governança institucional da internacionalização, incluindo a formalização de vice-reitorias ou pró-reitorias específicas e escritórios internacionais com equipes qualificadas.

Outro aspecto crítico refere-se à integração insuficiente da dimensão internacional a todos os níveis e funções da instituição. No Brasil, as avaliações existentes ainda se mostram fragmentadas, o que limita a compreensão plena do fenômeno. Ainda é raro observar estratégias que articulem, de forma coesa, graduação, pós-graduação, extensão, pesquisa e cultura institucional, alinhando-as a uma visão comum de internacionalização. Sem essa articulação, a internacionalização tende a permanecer periférica, restrita a nichos isolados e incapaz de transformar a universidade como um todo.

A ausência de estrutura adequada nas instituições de ensino superior frequentemente leva a designações improvisadas, nas quais pessoas sem experiência ou formação na área acabam por restringir informações e oportunidades a apenas determinados cursos ou departamentos, prejudicando a transversalidade necessária. Processos de cooperação acadêmica internacional dependem de confiança, planejamento de longo prazo e manutenção de vínculos institucionais, portanto, a estabilidade da gestão deve ser priorizada. Trocas constantes de responsáveis a cada mandato ou a delegação da internacionalização a um único curso compromete a consolidação de redes e parcerias estratégicas para todas as áreas do saber.

 

Marina Soligo
Universidade Paulista

 

Compartir: